Gata Selvagem
Von Barbara Cartland
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Gata Selvagem - Barbara Cartland
CAPÍTULO I
1887
—Tantos parentes se enjoam— observou a Princesa Guilhermina.
Sua prima, Zenka, virou-se e olhou-a, com um sorriso. Sabia que Guilhermina tinha sempre alguma coisa desagradável para dizer, mas seria difícil alguém achar uma falha no almoço do Jubileu de Ouro da Rainha, do qual participavam mais de sessenta de seus parentes.
Para dizer a verdade, Zenka achava-o muito excitante, depois da vida calma que levava na Escócia.
O Rei da Dinamarca tinha sentado à direita da Rainha Vitória; o Rei da Grécia, à esquerda, e o Rei da Bélgica, em frente. As peças da baixela de ouro no centro da mesa davam ao ambiente um brilho dourado.
—Era de se pensar que, no meio de tantas celebridades, haveria alguns rapazes para nós— disse Guilhermina com sua voz feia, gutural.
Zenka disfarçou um sorriso. A prima tinha quase trinta anos de idade, e durante os últimos dez anos havia vasculhado as cortes da Europa em busca de marido. Como era gorda, muito feia e com modos irritantes, os príncipes tinham o dom de desaparecer assim que ela surgia. Qualquer entendimento procurado por sua família a respeito de casamento cessava bruscamente, logo que o nome de Guilhermina era pronunciado.
Não querendo ser desagradável, Zenka sentou no sofá ao lado dela e disse:
—Há alguns solteiros na festa. Que me diz de Louis William de Baden?
A outra olhou-a, com ar severo.
—Louis William está noivo e esperando apenas que passe o Jubileu para anunciar o noivado.
—Não sabia disso. Então, só nos resta o Príncipe Devanongse de Sião!
—Francamente, Zenka, você é ridícula! Tenho certeza de que ele já tem um harém completo.
—Acho que é muito provável. Por outro lado, não creio que um Jubileu de Ouro seja um bom lugar para se procurar marido.
—A Rainha é conhecida como a casamenteira da Europa
. Se eu tivesse coragem, discutiria sobre o meu com ela.
Zenka riu.
—Sei muito bem que você não tem coragem para isso. Nenhuma de nós tem.
Enquanto falava, pensou que a Rainha Vitória era de fato muito assustadora. Todos sabiam que o Príncipe de Gales tremia, sempre que a mãe mandava chamá-lo à sua presença.
Sua vontade era lei, e ela havia mesmo alterado o regulamento em relação ao Jubileu de Ouro. Obstinadamente, se recusava a usar os trajes oficiais por ocasião da cerimônia do Dia de Ação de Graças na Abadia de Westminster, que ia se realizar no dia seguinte.
O Primeiro-Ministro argumentou com ela, e, quando finalmente a Princesa de Gales foi designada pelos outros filhos para suplicar-lhe que mudasse de ideia, ela saiu da sala precipitadamente.
—Nunca fui tão desacatada!— disse aos que esperavam por seu veredito.
Ninguém conseguiu convencê-la a não usar touca.
A Rainha sabia muito bem que Lorde Halifax tinha dito que o povo queria ver coisas bonitas, pelo que pagava. Chamberlain disse que «um soberano devia ser magnífico». Lorde Roseberry, mais severo do que os outros, afirmou categoricamente que um império devia ser «governado por um cetro e não por uma touca».
Fossem quais fossem os argumentos, a Rainha não os ouviu. No dia seguinte, ela se dirigiu para a abadia usando touca, tendo dado ordem às suas damas de honra que usassem «toucas com vestidos longos sem manto».
Mesmo assim, foi impossível não admirar sua segurança e altivez, quando seguiu pela nave, ao som de uma marcha de Haendel.
Primeiro veio a colorida Cavalaria Indiana; depois, os membros da família real: três filhos, cinco genros e nove netos.
A multidão ficou encantada com o Príncipe herdeiro da Alemanha, de barba dourada e com trajes em branco e prata. Com uma águia no quepe, parecia um herói medieval.
Seus parentes sabiam que ele havia perdido a voz e murmuravam que tinha câncer na garganta.
A cerimônia foi longa, mas imponente. Depois, as Princesas beijaram a mão da Rainha e todos acharam que estavam muito bonitas.
O almoço, servido por volta das quatro horas, foi quase uma réplica do oferecido na véspera. Depois haveria distribuição de presentes, no salão de baile.
—Lá vem Sua Majestade!
Zenka levantou, quando a Rainha entrou na sala, seu vestido de seda preta farfalhando ao passar por entre os convidados e os parentes.
Bem mais tarde, depois do jantar ao qual a Rainha compareceu, usando um vestido reluzente bordado de rosas prateadas, cardos e trevos, Guilhermina continuou sua conversa com a prima.
Os príncipes indianos e o corpo diplomático estavam presentes, usando uniformes bordados a ouro ou turbantes com brilhantes, mas Guilhermina ainda se queixava, quando as duas se dirigiram para o Salão Chinês, para observar os fogos de artifício.
—Espero que haja dança— murmurou.
—Para ser franca, minhas pernas estão doendo de tanto ficar em pé. Oh, olhe aqueles fogos! São maravilhosos! Que mais você pode desejar?
—Se quer saber a verdade, quero casar com um Rei!— respondeu a prima, com a língua solta pelo vinho que tinha tomado no jantar.
—Um Rei?!— exclamou Zenka, divertida—, por que haveria você de querer isso?
—Eu seria uma ótima Rainha! Quando olho para os brilhantes da Princesa de Gales, sei que iriam muito bem em mim!
Zenka sorriu. A Princesa de Gales estava usando uma magnífica tiara de brilhantes e seu colar reluzia sempre que ela fazia um movimento. Além do mais, era a mulher mais bonita da família real.
Vendo-a mover-se pela sala, Zenka achou que mais flutuava que andava. Qualquer coisa em seu pescoço lembrava o de um cisne, e seu sorriso a tornava diferente de todo mundo.
—Guilhermina tem tanta chance de se parecer com a Princesa como de andar pela lua— pensou Zenka, em voz alta.
—Acho que a prima Alexandra aguenta muita coisa.
—Você se refere aos casos amorosos do Príncipe? Todo mundo os conhece, mas a Princesa tem muitas compensações.
—Não sei, não...
—Não há o que saber. E eu lhe digo, Zenka, quero ser Rainha! Não é justo que todo mundo na Europa tenha casado, menos eu!
Havia qualquer coisa de tão amargo em seu tom, que Zenka teve pena dela.
—Deve haver muitos reis e príncipes herdeiros ausentes, hoje à noite. Que me diz de todos aqueles principados e reinos perto de você, em Prussemburgo?
—Os monarcas reinantes são todos casados.
Zenka quebrou a cabeça, procurando lembrar de um que não fosse.
Quase todos os tronos da Europa estavam ocupados por umas das filhas ou netas da Rainha Vitória. Olhou em volta e viu Vicky, a Princesa herdeira da Alemanha; Alice, Grã-Duquesa de Hesse; Beatrice de Battenberg; Helen de Schleswig-Holstein; e inúmeras outras realezas que, todas elas, deviam à Rainha sua posição e o marido escolhido para elas.
«Deve haver alguém», pensou Zenka. Depois, lembrou:
—Já sei, Guilhermina! O Rei Miklos de Karanya não é casado!
Viu, com surpresa, que a outra se contraía.
—Imagine se vou querer casar com aquele homem!
—Por que não? O que ele fez para aborrecê-la?
Zenka sabia que Karanya era um país pequeno, vizinho da Hungria e de Bósnia.
—Ele é bruto, rude, desagradável e tem uma aparência horrível!— disse Guilhermina, quase cuspindo as palavras—, tem rosto deformado e é manco.
—Mas o que ele lhe fez?
—Esteve aqui no ano passado, no baile oficial.
—Oh, esteve? Não me lembro dele.
Isso não era de admirar, porque, no ano anterior, Zenka tinha apenas dezessete anos e teve que sair cedo do baile.
—Que aconteceu?— perguntou, com curiosidade.
—O Rei teve que sentar por causa de sua perna doente. Senti pena dele e procurei me tornar agradável e conversar.
Fez uma pausa, e Zenka viu a cólera de seu olhar, antes que dissesse, as palavras saindo aos borbotões:
—Virei-me por um momento para falar com outra pessoa e ouvi-o dizer a um homem perto dele: «Pelo amor de Deus, tire essa frau gorda de perto de mim. Ela me faz sentir pior do que já me sinto!»
Foi com dificuldade que Zenka reprimiu o riso.
—Isso foi muito indelicado da parte dele, Guilhermina.
—Ele falou na língua de Karanya, de modo que acho que pensou que eu não ia entender. Mas entendi, e resolvi que nunca, nunca mais, falaria com ele.
—Não a censuro.
Ao mesmo tempo, pensou que também não podia censurar o Rei. Sabia quanto Guilhermina era cansativa e que a única razão de ela querer falar com o homem era por ele ser Rei e ela estar decidida a casar com um.
—Fiquei sabendo muita coisa a respeito do Rei Miklos, desde então— disse a prima, com despeito.
—Que foi que ouviu?
—Que há orgias... sim, verdadeiras orgias... em seu castelo em Karanya!
—Que espécie de orgias?
—Não sei exatamente. Mas o primo Frederick falou delas, quando veio nos visitar no Natal.
—Eu não acreditaria em tudo que o primo Frederick diz— observou Zenka—, você sabe que ele é um mexeriqueiro e que obtém quase todas as informações daquela sua mulher horrível.
—Tenho certeza de que o que ele contou sobre o Rei Miklos é verdade.
—A única coisa que sei a respeito de orgias é o que li sobre as dos romanos. Pelo que deduzi, todo mundo se embriagava e rasgava as roupas. Se o castelo em Karanya for igual ao nosso na Escócia, deve ser muito frio para as pessoas tirarem as roupas, façam elas o que fizerem.
Enquanto falava, Zenka percebeu que Guilhermina não estava interessada. Ainda remoía seu ódio pelo Rei Miklos.
—Ele também tem amantes... dezenas de amantes.
—Isso não é de admirar— murmurou Zenka, observando o Príncipe de Gales flertando com uma de suas primas mais bonitas.
Até mesmo na Escócia casos dele eram discutidos; depois que veio para Londres por causa do Jubileu, Zenka não ouviu falar de outra coisa.
Guilhermina ainda estava imersa em seus pensamentos.
—Ouvi o primo Frederick e o Príncipe Christian conversando, um dia.
«Isso significa», pensou Zenka, «que provavelmente escutou pela fechadura». Sabia que a outra tinha esse mau hábito.
—O primo Frederick disse: «Gostaria de saber o que aconteceu com Nita Loplakovoff. Há um ano que não ouço falar nela e era uma das mais sedutoras dançarinas russas que jamais vi». E o primo Christian respondeu: «Creio que ela está tendo um caso muito sério com Miklos de Karanya». E Frederick confessou que ele próprio estava interessado por ela.
Guilhermina parou, ofegante. Zenka disse:
—Tenho certeza de que Nita Loplakovoff, seja ela quem for, não se interessaria pelo primo Frederick.
Cansada