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Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte
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Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte
eBook407 Seiten5 Stunden

Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte

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Über dieses E-Book

É tormentoso que uma parte possa não conseguir demonstrar seu direito porque não consegue acessar uma prova que seu oponente retém injustificadamente. Na arbitragem, é especialmente desafiador encontrar uma solução para essa situação, dada a limitação dos poderes dos árbitros na imposição de suas decisões. Soma-se a isso o ambiente propício à convivência de atores com experiência em sistemas processuais diferentes e à confluência de normas com diferentes graus de imperatividade em um cenário de tradicional pouca regulação. A partir disso, este livro analisa, à luz da lei brasileira, a técnica de estabelecimento de uma conclusão negativa pelo julgador a partir da recusa da parte em produzir uma prova sob seu controle, isto é, a técnica de extração de inferências adversas pelos árbitros. Espera-se contribuir para o debate sobre o tema e incentivar a aplicação dessa relevante ferramenta com preservação das garantias fundamentais do processo e ganho de previsibilidade para os envolvidos no processo arbitral.
SpracheDeutsch
HerausgeberAlmedina Brasil
Erscheinungsdatum1. Apr. 2023
ISBN9786556277981
Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte

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    Buchvorschau

    Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte - Naiane Lopes Soares de Melo

    Arbitragem e valor probatório da conduta da parte.Arbitragem e valor probatório da conduta da parte.Arbitragem e valor probatório da conduta da parte.

    Arbitragem e Valor Probatório da Conduta da Parte

    © Almedina, 2023

    AUTOR: Naiane Lopes Soares de Melo

    DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz

    EDITORA JURÍDICA: Manuella Santos de Castro

    EDITOR DE DESENVOLVIMENTO: Aurélio Cesar Nogueira

    ASSISTENTES EDITORIAIS: Larissa Nogueira e Letícia Gabriella Batista

    ESTAGIÁRIA DE PRODUÇÃO: Laura Roberti

    DIAGRAMAÇÃO: Almedina

    DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto

    CONVERSÃO PARA EBOOK: Cumbuca Studio

    ISBN: 9786556277981

    Abril, 2023

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Melo, Naiane Lopes Soares de

    Arbitragem e valor probatório da conduta da

    parte / Naiane Lopes Soares de Melo. – 1. ed. –

    São Paulo : Almedina, 2023.

    Bibliografia.

    e-ISBN 978-65-5627-798-1

    ISBN 978-65-5627-806-3

    1. Arbitragem (Direito) – Leis e legislação –

    Brasil 2. Direito civil 3. Direito probatório

    4. Provas (Direito) I. Título.

    23-143634

    CDU-347.918

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Arbitragem : Direito civil 347.918

    Aline Graziele Benitez – Bibliotecária – CRB-1/3129

    Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida,armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.

    EDITORA: Almedina Brasil

    Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil

    www.almedina.com.br

    À tão presente memória da vovó Zilda, fonte inesgotável de força e fé.

    ABREVIATURAS

    AAA – American Arbitration Association

    ACICA – Australian Centre for International Commercial Arbitration

    ALI – American Law Institute

    CAMARB – Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil – CAMARB

    CAM-B3 – Câmara de Arbitragem do Mercado

    CAM-CCBC – Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá

    CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem

    CF – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

    CIARB – Chartered Institute of Arbitrators

    CIETAC – China International Economic and Trade Arbitration Commission

    CPC – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015

    CPC/73 – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973

    CPR – Instituto Internacional para prevenção e solução de disputas (CPR International Institute for Conflict Prevention & Resolution)

    DIAC – Dubai International Arbitration Centre

    EUA – Estados Unidos da América

    HKIAC – Hong Kong International Arbitration Centre

    IBA – International Bar Association

    ICC – Câmara de Comércio Internacional (International Chamber of Commerce)

    ICCA – Conselho Internacional para Arbitragens Comerciais (International Council for Commercial Arbitration)

    ICJ – Corte Internacional de Justiça (International Court of Justice)

    ICSID – Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Disputes)

    IUSCT – Iran-United States Claims Tribunal

    LCIA – London Court of International Arbitration

    NAFTA – Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement)

    ONU – Organização das Nações Unidas

    SCC – Stockholm Chamber of Commerce

    UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (United Nations Commission on International Trade Law)

    UNIDROIT – Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (International Institute for the Unification of Private Law)

    WIPO – Organização Mundial da Propriedade Intelectual (World Intellectual Property Organization)

    SUMÁRIO

    Cover

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Abreviaturas

    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO

    1.1. Apresentação do tema

    1.2. Delimitação do objeto de estudo

    1.3. Relevância do tema estudado

    1.4. Estrutura do trabalho

    2. PROCESSO ARBITRAL: QUADRO REGULATÓRIO

    2.1. Processo arbitral: aspectos gerais

    2.2. Fontes normativas no processo arbitral

    2.2.1. Valoração probatória do comportamento da parte como tema de direito processual

    2.2.2. Influência da lei da sede na definição das regras processuais da arbitragem

    2.2.3. Autonomia da vontade e poder normativo dos árbitros

    2.2.4. Influência da soft law

    3. PRODUÇÃO DE PROVAS NA ARBITRAGEM

    3.1. A atividade probatória e a busca da verdade no processo arbitral

    3.2. A regulação da atividade probatória na arbitragem

    3.3. Poderes instrutórios dos árbitros

    3.4. Ônus da prova e standard de prova

    3.4.1. Ônus da prova

    3.4.2. Standard de prova

    3.5. Participação das partes na instrução probatória

    3.5.1. Boa-fé, dever de cooperação e princípio da não autoincriminação

    3.5.2. Abuso processual

    3.5.3. Alternativas à disposição do árbitro diante da recusa da parte à produção da prova

    4. INFERÊNCIAS ADVERSAS: PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO

    4.1. Por que sistematizar?

    4.2. A relevância da atribuição de valor probatório ao comportamento da parte

    4.3. Inferências adversas: conceito e natureza jurídica

    4.4. Inferências adversas: campo de aplicação

    4.5. Fonte do poder dos árbitros para extração de inferências adversas

    4.6. Compatibilidade com a lei brasileira

    4.7. Condições para extração das inferências adversas

    4.7.1. Excepcionalidade

    4.7.2. Relevância e materialidade

    4.7.3. Inaptidão da parte que busca a extração da inferência adversa para produzir a prova faltante

    4.7.4. Produção de prova prima facie

    4.7.5. Razoabilidade e coerência da inferência adversa à luz do conjunto probatório

    4.7.6. Controle sobre a fonte de prova pela parte contra quem a inferência recai

    4.7.7. Intimação da parte para produção da prova

    4.7.8. Respeito ao contraditório

    4.7.9. Resistência injustificada da parte à produção da prova

    4.8. Desafios e limitações da técnica de extração de inferências adversas

    Conclusões

    Referências

    Pontos de referência

    Cover

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Dedicatória

    Sumário

    Introdução

    Página Inicial

    Conclusão

    Bibliografia

    1

    INTRODUÇÃO

    1.1. Apresentação do tema

    Há quase um século, Piero Calamandrei descreveu em um artigo a seguinte situação prática: um cidadão chamado Biscini, obrigado a reportar sua administração a outro, de nome Alberio, entrega a este todos os livros contábeis de uma sociedade. Após isso, Biscini e Alberio discordam sobre o resultado financeiro alcançado sob a administração de Biscini e então entram em litígio. Contudo, Alberio retém os livros contábeis que lhe haviam sido entregues por Biscini, recusando-se a exibi-los em juízo mesmo quando intimado a fazê-lo. Essa recusa inviabiliza a utilização desses documentos por Biscini para provar sua versão sobre o resultado da administração.

    Naquele artigo, esse exemplo é invocado pelo autor para questionar qual deveria ser a reação do juiz diante dessa situação. A conclusão defendida por ele é a de que esse comportamento de Alberio autorizaria o juiz a se convencer de que ele só se recusou a exibir os livros contábeis porque essa exibição faria uma prova contrária aos seus interesses.¹

    Este trabalho é motivado, inicialmente, pela perplexidade gerada pela situação ilustrada por esse exemplo, que descreve bem o grave impacto que esse comportamento processual da parte pode ter sobre a esfera de interesses de outrem e sobre a própria concretização da justiça. É realmente tormentoso imaginar que uma parte pode não conseguir demonstrar seus direitos porque não consegue acessar uma prova que seu oponente retém.

    A motivação para o enfrentamento do tema é fomentada pela constatação de que, a despeito de o exemplo acima citado refletir um problema antigo – muito anterior à data em que Piero Calamandrei didaticamente o descreveu –, a técnica processual desenvolvida para enfrentar essa situação ainda está em evolução, com contornos e desafios próprios quando seu campo de aplicação é o processo arbitral. Foi a identificação desses contornos e desafios, por sua vez, que motivou as escolhas feitas para delimitação do escopo deste trabalho.

    Historicamente, a técnica processual se desenvolveu em várias frentes buscando neutralizar ou minimizar a frustração do direito da parte que não consegue provar suas alegações em razão de um comportamento injustificado de seu oponente. Nesse desenvolvimento, pode-se citar o incremento dos poderes coercitivos do juiz, a aplicação de sanções processuais etc. No entanto, o objeto deste trabalho é a técnica específica cuja aplicação é defendida por Piero Calamandrei no exemplo acima, consistente, grosso modo, na interpretação do comportamento processual da parte em situações de recusa injustificada na produção de uma prova que está sob seu exclusivo controle, de modo a extrair desse comportamento a conclusão de que o teor da prova não produzida seria desfavorável à parte resistente.

    Como se verá ao longo deste livro, essa técnica é definida como a extração de uma inferência adversa a partir do comportamento da parte. A doutrina registra que sua aplicação inaugural teria ocorrido há exatos três séculos, em uma decisão proferida pela Court of King’s Bench, na Inglaterra, em 1722 (caso Armory vs. Delamirie). O caso envolvia um pedido de indenização contra um ourives que havia removido pedras de uma joia que lhe havia sido entregue pelo filho do autor da demanda. Como o réu não exibiu as pedras da joia, presumiu-se, para fins do cálculo do dano, que seu valor seria equivalente ao das pedras mais preciosas.²

    Desde então, o instituto se consolidou como uma ferramenta útil à disposição dos julgadores para a solução de impasses criados por comportamentos processuais da parte aptos a obstruir a produção da prova. Em várias jurisdições – como no caso do Brasil, nos termos do artigo 400 do Código de Processo Civil (CPC) –, a lei prevê expressamente a aplicação dessa técnica aos processos judiciais.

    As inferências adversas também se difundiram na arbitragem, especialmente no ambiente internacional, estimuladas pelas necessidades próprias do processo arbitral. Destaca-se, como propulsor da utilização dessa técnica, a ausência de poder de império que marca a atividade dos árbitros, uma limitação que não é facilmente superada com a utilização de outros remédios, como a busca de apoio das cortes estatais para a produção da prova e/ou a aplicação de sanções.

    Assim, tem-se hoje, sobretudo no estrangeiro, um repertório considerável de decisões e estudos doutrinários sobre o tema. Sua regulação em instrumentos normativos, embora não seja frequente, também atesta essa difusão, confirmada ainda pela menção a essa técnica feita em instrumentos de soft law, com destaque para as Regras da International Bar Association (IBA) sobre Produção de Provas (artigos 9(6) e 9(7)).

    A despeito disso, as discussões sobre o tema estão longe de estarem pacificadas. A aplicação prática da técnica de extração de inferências adversas a partir do comportamento da parte desperta hesitações, dúvidas e controvérsias importantes.

    É esperado que assim seja, já que estão envolvidos temas relevantes para a teoria processual (especialmente os temas relacionados à atividade probatória, aos poderes do árbitro e às garantias processuais das partes). Outros traços próprios do processo arbitral também contribuem para que o tema esteja em contínua evolução, como: (i) o espaço deixado pela regulação normativa mínima dos temas relativos ao processo arbitral e, em particular, à atividade probatória na arbitragem; e (ii) a existência de um ambiente propício para convivência de agentes com formações e práticas diversas.

    O exame do assunto à luz da lei brasileira – como aqui se propõe – é particularmente instigante. Como se verá no decorrer do trabalho, será necessário o estabelecimento de premissas claras quanto às balizas para regulação do instituto e o enfrentamento de reflexões importantes sobre sua natureza jurídica, seu campo de aplicação, as fontes do poder do árbitro para aplicá-lo, a compatibilidade de seu uso com o enquadramento normativo dado pela Lei n. 9.307 de 23 de setembro de 1996 (Lei Brasileira de Arbitragem), e as condições específicas para sua utilização.

    1.2. Delimitação do objeto de estudo

    Apresentado o tema (supra, n. 1.1), cumpre fazer três esclarecimentos específicos sobre a delimitação de escopo inevitavelmente imposta ao conteúdo do trabalho. Espera-se que outras opções adotadas para análise dos temas aqui tratados já estejam claras no decorrer do texto.

    Primeiro. Este estudo tem como preocupação a análise do valor probatório do comportamento das partes e os critérios para extração de inferências adversas pelos árbitros nas arbitragens sujeitas à regulação pela lei brasileira. A escolha se justifica particularmente pela constatação de que, embora o tema já seja objeto de debate mais amplo na doutrina estrangeira, ainda não há no país uma análise sistematizada sobre o instituto.

    Assim, o objetivo mais específico deste estudo é a sistematização do tema da técnica de extração de inferências adversas a partir do comportamento processual da parte na instrução probatória, analisando-se o conceito e da natureza jurídica do instituto, seu campo de aplicação, a fonte dos poderes do árbitro para seu uso, sua conformidade ao sistema estabelecido pela Lei Brasileira de Arbitragem e as condições para a utilização dessa técnica no âmbito dos processos por ela regulados.³

    Busca-se demonstrar, em particular, que: (i) a atribuição de valor probatório ao comportamento processual da parte na arbitragem a partir da extração de inferências adversas se dá a partir de um raciocínio próprio da construção de presunções e das provas indiretas, e resulta no convencimento do árbitro quanto à veracidade de um enunciado de fato (infra, n. 4.3); (ii) essa técnica pode ser aplicada tanto em desfavor do requerente quanto em desfavor do requerido, tanto para questões de mérito quanto para questões puramente processuais, tanto na prova documental quanto em outros meios de prova (infra, n. 4.4); (iii) o poder dos árbitros para extraírem inferências pode resultar da incidência de múltiplas fontes normativas, sem prejuízo de ser considerado um poder inerente do julgador, inclusive quando ausente previsão normativa expressa, extraído especialmente dos poderes instrutórios, dos poderes de condução do processo e poder de valoração das provas atribuídos aos árbitros (infra, n. 4.5); (iv) existe compatibilidade entre a aplicação dessa técnica e a lei brasileira (infra, n. 4.6); e (v) dada a ausência de regulação expressa do tema na Lei Brasileira de Arbitragem, a aplicação dessa técnica deve se dar observando-se uma séria de condições específicas (infra, n. 4.7).

    Este estudo parte da premissa de que, como regra, a Lei Brasileira de Arbitragem é aplicável às arbitragens nacionais e internacionais com sede no Brasil, independentemente de a lei brasileira ser aplicável para solução do mérito da disputa. Isso porque a Lei Brasileira de Arbitragem adota um sistema monista,⁴ que não estabelece tratamento legal diferenciado voltado às arbitragens internacionais – o que faz a França, por exemplo.⁵ Assim, é possível vislumbrar uma arbitragem que seja internacional, por decorrer de relações comerciais internacionais, mas doméstica para fins da lei brasileira, por ser o local da prolação da sentença situado no Brasil.⁶

    No entanto, vale desde já esclarecer que esse enfoque dado à lei brasileira não direciona ou limita a análise do tema às regras positivadas na Lei Brasileira de Arbitragem. Isso ocorre porque o mapeamento do quadro regulatório do procedimento arbitral e, em particular, das normas que incidem regulando o poder dos árbitros para valoração do comportamento da parte, mostra que o tema está sujeito à influência de fontes outras além da aplicação dessa lei.

    Por isso, o estudo será permeado pela referência a outras fontes – leis processuais e arbitrais estrangeiras, instrumentos de soft law, regulamentos de câmaras arbitrais etc. –, seja (i) para fins de comparação ou exemplificação, seja (ii) porque, como será demonstrado, a aplicação da Lei Brasileira de Arbitragem ocorre na prática sem prejuízo da influência dessas outras fontes de regulação.

    Segundo. Este estudo concentra-se na análise do valor probatório do comportamento da parte no processo. Isso significa que não serão analisadas em específico as condutas individuais do representante da parte no processo – figura opcional e que não necessariamente precisa ser exercida por advogado, nos termos do artigo 21, § 3º da Lei Brasileira de Arbitragem.

    Essa limitação se justifica inicialmente porque, especificamente para condutas que têm maior potencial para serem valoradas negativamente e levarem à extração de inferências adversas na realidade do processo, é mais difícil a individualização dos atos do representante da parte que sejam determinantes para a sua prática.

    No caso da parte que, por exemplo, resiste injustificadamente a uma decisão impondo a exibição de documento, dificilmente será possível identificar uma conduta individual do representante da parte que seja decisiva para esse comportamento. Na prática, o representante da parte, ainda que imbuído do dever de esclarecer ao seu cliente as consequências dessa resistência, muitas vezes não terá sequer acesso aos documentos prova cuja exibição tenha sido ordenada. É dizer: ainda que a parte esteja representada na arbitragem, o comportamento a ser valorado com a extração de inferências negativas será, na generalidade dos casos, resultado de uma ação em relação à qual ela própria (a parte) terá maior controle.

    Nesse sentido, o fato de a inferência adversa ser um resultado que penaliza diretamente a própria parte também justifica a delimitação do estudo.

    De todo modo, sobretudo no caso de representantes que não venham de uma cultura jurídica que lhes imponha um dever autônomo relacionado à produção de provas a despeito de serem desfavoráveis à tese de seu cliente, a penalização de um comportamento específico do representante da parte com a extração de inferências adversas enfrentaria muitos desafios.

    No mais, a existência de um quadro próprio para a responsabilização dos representantes das partes por condutas na arbitragem confere considerável autonomia ao tema, escapando dos objetivos centrais deste trabalho.

    De fato, não se ignora a relevância da busca por padrões elevados de conduta dos representantes das partes na arbitragem, ilustrada, no âmbito internacional, pela edição das IBA Guidelines on Party Representation in International Arbitration (2013), das General Guidelines for the Authorised Representatives of the Parties que constam no Anexo às Regras de Arbitragem da London Court of International Arbitration (LCIA) (desde 2014)⁸ e das ICCA Guidelines on Standards of Practice in International Arbitration (2021).⁹ No caso da primeira, há inclusive a previsão de que a má-conduta do representante da parte pode justificar, como um remédio para tanto, a extração de inferências no momento de valoração da prova ou a análise dos argumentos suscitados pela parte representada por ele (IBA Guidelines on Party Representation in International Arbitration, item 26.b).¹⁰

    Mas a existência de um campo de análise nesse sentido parece sinalizar mais para a especificidade do tema do comportamento do representante da parte na arbitragem – tornando-o merecedor de análise autônoma que contemple todas as suas particularidades – do que para sua integração no escopo de análise aqui proposto, inevitavelmente limitado.

    Ainda assim, este trabalho é elaborado na confiança de que o desenvolvimento do tema em estudo impactará o trabalho dos representantes das partes nas arbitragens, seja (i) tornando ainda mais relevante o trabalho que estes desempenham na orientação e advertência quanto às consequências de um comportamento não colaborativo das partes, seja (ii) preparando-os para o enfrentamento prático do tema, tanto na posição de quem pretende demonstrar o cabimento de aplicação dessa ferramenta, como na posição de quem pretende demonstrar seu descabimento no caso concreto.

    Terceiro. Esclarece-se também que o objeto deste estudo se limita à análise do comportamento processual da parte, isto é, os atos e omissões praticados pelas partes durante o curso do processo (e em seu âmbito, não fora dele) e, em particular, na fase de produção de provas.

    Essa limitação naturalmente não infirma a relevância da análise do comportamento pré-processual e extraprocessual da parte, capaz de afetar diretamente a interpretação das obrigações em discussão no processo e/ou a própria existência dos direitos alegados. Seja lembrado, a título de ilustração, que a lei material brasileira expressamente prevê que a interpretação dos negócios jurídicos deve levar em consideração o comportamento das partes posterior à sua celebração (Código Civil, artigo 113, § 1º, inciso I).

    Contudo, estando o tema específico das inferências negativas diretamente atrelado às questões de direito processual e, em específico, aos poderes conferidos ao árbitro para valoração das provas produzidas pelas partes, foi feita a opção pela limitação à análise do comportamento das partes no curso do processo arbitral.

    Quarto. Cumpre desde já esclarecer que, ao longo deste trabalho, os termos negativa e adversa serão usados de forma intercambiável, sempre para designar uma inferência contrária, ou seja, destoante, oposta, inversa ao interesse da parte.

    1.3. Relevância do tema estudado

    A relevância deste estudo é ilustrada por vários fatores. O primeiro deles se relaciona ao papel central da instrução probatória na solução das demandas submetidas à arbitragem¹¹ e à complexidade da situação decorrente da impossibilidade apuração da verdade nos casos em que uma das partes, tendo controle sobre determinada prova, impõe obstáculos a sua produção.

    Ou seja, o tema estudado é importante não só porque trata de uma técnica aplicável no âmbito de um aspecto central do processo arbitral (a produção de provas), mas também porque essa técnica busca solucionar um problema grave: a dificuldade que uma parte pode enfrentar para se desincumbir de seu ônus probatório quando não tem acesso a fontes de prova sob o controle da outra parte quando esta abusivamente se recusa a permitir que delas sejam extraídos os elementos de prova relevantes para a solução da demanda. E, no enfrentamento dessa situação, são suscitados temas de maior relevância, como os poderes do árbitro na produção e na livre apreciação da prova e o respeito ao devido processo legal na arbitragem.

    A solução para essa situação é especialmente desafiadora no âmbito arbitral em razão de fatores como: (i) a limitação imposta aos árbitros na imposição de suas decisões; e (ii) o ambiente propício à (a) convivência de atores com experiência em famílias ou sistemas processuais diferentes¹² e (b) à confluência de normas com diferentes graus de imperatividade em um cenário de pouca regulação, tradicionalmente.

    Outro fator a ilustrar a relevância do tema é a sua atualidade. A técnica de extração de inferências negativas é objeto de crescente interesse e debate entre os profissionais e estudiosos da arbitragem, que têm buscado fixar conceitos, funções, requisitos e limitações à sua utilização.¹³

    Trata-se de um tema que vem sendo construído a várias mãos, com destaque para o estudo da doutrina e a preocupação de instituições internacionais em assentar critérios para a utilização dessa técnica, e em especial com contribuição da jurisprudência arbitral e estatal, funcionando esta última como fiscalizadora¹⁴ e, ao fazê-lo, estimuladora da consagração das inferências negativas como um dos importantes poderes do árbitro na condução e no julgamento a respeito de questões factuais.

    Nos últimos anos, o tema também ganhou destaque em razão de uma decisão das cortes estatais francesas no âmbito de ação de anulação de sentença arbitral (Dresser-Rand vs. Diana Capital) que ensejou uma discussão relevante sobre as condições para utilização do instituto à luz das garantias processuais das partes. A decisão é discutida em mais detalhes nos itens 4.7.7 e 4.7.8, infra.

    A despeito da atualidade do tema e do crescente interesse acadêmico que desperta, trata-se de um debate ainda incipiente. Ao mesmo tempo em que frequentemente se encoraja a utilização dessa técnica, reconhecendo-se sua relevância para aprimorar a qualidade da prestação jurisdicional dada sobre um leque de provas mais amplo e eficientemente produzido, ainda se discute quais seriam os requisitos para sua aplicação.

    E esse é um terreno fértil para reflexões, já que esses requisitos estão sujeitos à influência de fatores diversos em decorrência da origem e cultura das partes e dos demais sujeitos do processo arbitral, das regras processuais aplicáveis ao procedimento, da percepção dos tribunais estatais com poder de controle sobre a sentença a respeito do tema, dentre outros.

    Por isso, um terceiro fator que corrobora a relevância do tema sob estudo é a necessidade de maior clareza quanto às condições de aplicação da técnica de extração de inferências adversas.¹⁵ Como será aprofundado no item 4.5 infra, o poder de que os árbitros se revestem para fazer uso dessa técnica raramente decorre de previsão expressa das leis nacionais ou de regras contratuais previamente negociadas pelas partes (na própria convenção arbitral ou no termo de arbitragem). E, ainda que as Regras da IBA sobre Produção de Provas e outros instrumentos de soft law prevejam a aplicação dessa técnica, a interpretação das condições para seu uso ainda dá azo a um debate relevante sobre a utilização do instituto.

    Há diversas questões que parecem depender de maior análise para que possam encontrar resposta. Em seu estudo de 2006 sobre o tema,¹⁶ Jeremy K. Sharpe já destacava a existência de inúmeras hipóteses de investigação ainda em aberto:

    [o] que exatamente os árbitros estão autorizados a fazer? Podem eles extrair inferências negativas para decidir em favor de uma parte que não produziu prova suficiente para se desincumbir de seu ônus da prova? As regras de instituições internacionais fornecem poucas respostas. Doutrinadores citam o poder dos árbitros de extrair inferências negativas, mas também eles oferecem poucas diretrizes práticas para a aplicação dessa técnica.¹⁷

    Esse debate – crescente desde os apontamentos acima, mas ainda longe de estar superado – segue essencial para o desenvolvimento do instituto. Sem ele, sua existência e utilidade remanescem pouco conhecidas, o que funciona como um ciclo vicioso de desincentivo para que as partes e os árbitros busquem sua utilização nos casos concretos.

    Outro prejuízo decorrente desse cenário de pouco debate e ausência de sistematização do tema é a utilização pouco criteriosa do instituto, com maiores chances de violação a direitos e garantias das partes.

    Enfim, quanto mais o debate doutrinário sobre o tema amadurecer, mais a aplicação dessa técnica será cogitada em situações práticas e, quanto mais for aplicada, mais suas propriedades e seus limites ficarão delineados (iniciando, aí sim, um ciclo virtuoso de consolidação do instituto).

    Por exemplo, a hesitação dos árbitros em extrair inferências negativas foi demonstrada por Simon Greenberg e Felix Lautenschlager em estudo a partir da análise de 36 decisões proferidas em arbitragens administradas pela ICC, no âmbito das quais a extração de inferências adversas havia sido solicitada por uma das partes. Em apenas 12 dessas 36 decisões o tribunal arbitral efetivamente extraiu inferências adversas.¹⁸ Além disso, pareceu clara aos autores a tendência dos árbitros de evitarem decidir o caso com base na extração de inferências negativas para, com isso, não criarem suspeitas em relação ao respeito ao devido processo legal.¹⁹

    A pesquisa divulgada em 2012 pela Queen Mary University of London e pelo escritório White & Case LLP confirmou essa avaliação ao reportar que: (i) a maioria significativa dos entrevistados (86%) indicou que, na sua experiência, os tribunais arbitrais haviam extraído inferências negativas em um número muito limitado de casos; e (ii) os entrevistados confirmaram que os árbitros hesitam em fazer uso do instituto expressamente por terem receio de, ao fazê-lo, abrir margem para a impugnação da sentença arbitral. A despeito disso, muitos participantes indicaram que os árbitros deveriam fazer uso mais frequente dessa prerrogativa de extrair inferências negativas, desde que advertindo previamente as partes quanto a essa possibilidade.²⁰

    Especificamente no ambiente doutrinário brasileiro, há muito pouco escrito a respeito do tema, e essa escassa produção nacional fomenta a tendência de que os árbitros hesitem em fazer uso dessa ferramenta em arbitragens reguladas pela Lei Brasileira de Arbitragem.

    Nesse contexto, a realização de estudos mais profundos sobre o tema se justifica, pelas razões já explicadas, pela busca de condições de utilização mais frequente e segura dessa ferramenta, ou seja, com vistas a identificar e definir o cerne desse instituto e os critérios para sua aplicação prática sem prejuízo a garantias das partes.

    O estudo do tema especificamente sob a ótica do direito brasileiro também se justifica pelo fato de que, com o crescimento da arbitragem no Brasil (infra, n. 2.1), o sistema brasileiro está cada vez mais sujeito à influência das tendências internacionais no tema da instrução probatória na arbitragem, dada a confluência de princípios e práticas decorrentes da crescente internacionalização de muitas disputas, da difusão do conhecimento e da assimilação de técnicas comuns por sujeitos que, cada vez mais, são instados a conviver com culturas processuais diferentes no que se refere à prova em soluções de disputas pela via arbitral.²¹

    Por tudo isso, acredita-se que o presente estudo possa prestar uma contribuição original à ciência jurídica nacional, especialmente: (i) pela análise detida da natureza jurídica das inferências adversas, de seu campo de aplicação e da fonte dos poderes dos árbitros para fazerem uso dessa técnica; (ii) pela demonstração da compatibilidade entre a utilização desse instituto e o ordenamento jurídico brasileiro (em particular, o quadro normativo desenhado pela Lei Brasileira de Arbitragem); e (iii) pela sistematização das condições para atribuição de valoração probatório ao comportamento da parte mediante a extração de inferências negativas. Espera-se, enfim, que este estudo contribua para o desenvolvimento do tema e para a busca de um processo arbitral mais seguro, eficiente e legítimo.

    1.4. Estrutura do trabalho

    Este trabalho está organizado em cinco capítulos. Este primeiro capítulo, de caráter introdutório, tem como ponto de partida a problematização e a contextualização do tema (supra, n. 1.1). Na sequência, procurou-se delimitar o objeto de estudo e a apresentar alguns esclarecimentos sobre o escopo do trabalho (supra, n. 1.2). Em seguida, procurou-se demonstrar a relevância do tema estudado, destacando-se sua atualidade e a pertinência de seu estudo mais aprofundado à luz da lei brasileira (supra, n. 1.3). Neste item (n. 1.4), concluindo o capítulo introdutório, apresenta-se a estrutura do trabalho, para melhor orientação do leitor.

    No segundo capítulo (infra, n. 2), são mapeadas as fontes normativas mais relevantes para a regulação procedimental da arbitragem e definição das condições para atribuição de valor probatório à conduta da parte na arbitragem. De partida, o tema é situado como uma questão processual, e não substancial da arbitragem (infra, n. 2.1).

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